21 abril, 2022

A POLÍCIA MILITAR NA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

 


PARTICIPAÇÃO DO COMANDANTE DO REGIMENTO REGULAR DE CAVALARIA DE MINAS



Flávio Augusto, Cel PM Veterano
Professor de História da PMMG


A História da Polícia Militar se confunde com a própria história do Estado de Minas Gerais e vice-versa. No final do século XVII, Antônio Rodrigues Arzão descobriu ouro na região do atual Estado de Minas Gerais, estabelecendo-se, na prática, o regime dos quintos, conforme preconiza o Alvará de 1557. Este alvará estabelecia que de todos os metais extraídos das minas, após fundidos e apurados, a quinta parte seria do rei.

Nestes primeiros tempos, como não havia Casas de Fundição, o quinto era cobrado por meio de certificado de pagamento, sendo confiscado todo o ouro da mão de particulares que não estivessem de posse do aludido certificado.


Com a revolta chefiada por Felipe dos Santos, em 1720, contra a instalação das Casas de Fundição, a consequência imediata foi a separação da Capitania de Minas da Capitania de São Paulo.


Como a região atraía várias pessoas por causa da riqueza, foram enviadas duas Companhias de Dragões da coroa portuguesa, com o objetivo de manter a ordem, naquela localidade, além de garantir os interesses reais. Como a população das minas era urbana, e nessas terras tinha muito ouro, outra Cia de Dragões foi enviada de Portugal, em 1729, totalizando três.


Em 09 de junho de 1775, o Governador da Capitania das Minas Gerais fundiu as antigas Cias de dragões, criando o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, tropa composta por mazombos (filhos da terra), origem da hoje denominada Polícia Militar.


Vários foram os fatores que contribuíram para criação do Regimento. Dentre eles, cita-se o fato de as Cias de dragões estarem inoperantes. Na prática, embora as Cias fossem compostas por portugueses, já estavam sendo incluídos brasileiros nas suas fileiras, inclusive o próprio Alferes Tiradentes que assentou praça no ano de 1769, na guarda do Vice-Rei.


O Regimento de Cavalaria teve alguns comandantes. Contudo, o primeiro mazombo a comandá-lo foi o Ten-Cel Francisco Paula Freire de Andrade, nomeado pelo Governador Dom Rodrigo de Menezes, no ano de 1788.


O Comandante Paula Freire, ao chegar a Minas, nesse mesmo ano, para assumir o comando do Regimento, casou-se com a irmã de José Álvares Maciel. Após o laço matrimonial, foi cooptado pelo cunhado e por Tiradentes para integrar o movimento da Inconfidência Mineira.


Ao aceitar o convite, Paula Freire integrou o grupo dos ativistas, que tinha nos seus quadros, dentre outros: Tiradentes, Álvares Maciel e Padre Rolim.


Este grupo era diretamente responsável pela ação concreta para a execução dos planos, assim como as suas estratégias. Se tivessem sido desencadeadas as operações conforme o planejamento, Paula Freire seria o comandante militar das forças militares da Nova República.


As reuniões se realizavam na chácara do oficial e, em uma delas, nos primeiros dias do ano de 1789, foi estabelecido um escudo para a nova República. Segundo relatos dos inconfidentes, após várias discussões, ficou definido um triângulo representando a Santíssima Trindade, conforme consta da atual bandeira do Estado de Minas Gerais.


A última reunião antes da delação foi realizada em março do mesmo ano, quando foram acertados os detalhes finais. A chácara já era o Quartel General das operações.


Com a descoberta dos planos, instalou-se o processo conhecido como “Devassa”. O Ten-Cel Paula Freire foi preso e, em 22 de junho de 1792 foi proferida a sentença régia. Embarcou para Pedra do Encoje, em Angola, em degredo Perpétuo, em razão de sua participação no movimento. Lá, faleceu, em 1809.


O primeiro Comandante mazombo da Polícia Militar de Minas Gerais teve os seus restos mortais transladados para o Brasil em 1936, no governo do Presidente Getúlio Vargas.


Foi um homem de boa cultura, de visão à frente do seu tempo, grande dinamismo, alto espírito público e, acima de tudo, devotado amor à pátria. Mesmo sabendo das consequências dos riscos que corria, não hesitou em fazer parte do movimento em defesa dos interesses da nação.


Embora a Inconfidência Mineira e seus ideais, num primeiro momento, tenham dado errado, os frutos da semente que Tiradentes, Paula Freire e outros, plantaram foram sendo colhidos, ao longo dos tempos. Eles deixaram, para as gerações seguintes, a Democracia na ordem do dia, sob a insígnia da trindade “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” ou da “Liberdade Ainda que Tardia”.



HERÓI TIRADENTES



Quando nos reportamos aos fatos ocorridos no final do século XVIII, nas Minas Gerais, conhecido na história como “Inconfidência Mineira”, sempre nos aportam aos pensamentos, em primeiro lugar, a figura ímpar do Alferes Tiradentes. Ele é o mais lembrado e conhecido dentre o grupo que incluía fidalgos da coroa portuguesa.


Tiradentes, alcunha pela qual era conhecido, chamava-se Joaquim José da Silva Xavier. Veio ao mundo no dia 16 de agosto de 1746, na propriedade de mineração, hoje cidade de Tiradentes, Minas Gerais, na fazenda do Pombal, situada na circuncisão territorial da Vila de São João Del-Rei.


Era o quarto filho do casal. Aos onze anos de idade, ficou órfão. Foi adotado pelo tio e padrinho, Sebastião Ferreira, que era cirurgião. Aprendeu, assim, os conhecimentos de odontologia, profissão de dentista prático, habilidade por meio da qual muito ajudou escravos e agregados humildes das fazendas. Aos quatorze anos de idade, já trabalhava no serviço de tropa. Ia, frequentemente, às províncias do Rio de Janeiro e da Bahia.


Em 1769, com vinte três anos, assentou praça na Cia de Cavalaria dos Vice-Reis. Em 1775, com a fusão das antigas Cias de Dragões foi criado o Regimento de Cavalaria Regular, hoje Polícia Militar de Minas Gerais. Foi então promovido, no ano seguinte, ao posto de “Alferes”. Este título corresponde, na atualidade, à graduação de Subtenente.


A partir do ano de 1786, quando os preparativos para a Inconfidência Mineira já estavam em andamento, registram-se, no conselho ultramarino, várias viagens dele para o Rio de Janeiro. Registra, inclusive, uma licença para viajar até Lisboa, em 1787.


Quando dos preparativos para o levante, Tiradentes fez parte do grupo dos ativistas, composto por mazombos, filhos de portugueses nascidos no Brasil ou filhos naturais da terra. Era um grupo no qual as pessoas eram responsáveis pela concretização da eclosão do movimento. Tiradentes, no dia do levante, na derrama, seria o responsável por executar e mostrar a cabeça do governador para o povo, quando todos estivessem na praça e fossem cercados pela tropa da Cavalaria.


No final do ano de 1788, face às dificuldades vividas para a organização do movimento, numa conversa com o Inconfidente Vicente da Mota, Tiradentes disse que “se todos quisessem, poderiam fazer do Brasil uma grande nação”.


Depois que foi preso, já no processo conhecido na História como os “Autos da Devassa”, assumiu, no quarto interrogatório, toda responsabilidade pela tentativa do levante. Não teve a sua pena de morte comutada em degredo perpétuo. Foi o único a ser enforcado.


Na manhã de 21 de abril de 1792, após ter sido enforcado, no Largo da Lampadosa, defronte a igreja da Lampadosa, no Rio de Janeiro, o seu corpo foi dividido em quatro partes. As partes de seu corpo foram expostas nos principais trechos do caminho do Rio de Janeiro para as Minas Gerais, onde ele fazia suas pregações revolucionarias, até que o tempo as consumisse.


Já a cabeça do Alferes foi exposta na praça principal de Vila Rica; hoje, Ouro Preto. Foi roubada, durante a noite. Ninguém sabe do seu paradeiro, até os dias atuais.


Apesar de todo o sofrimento, constrangimento e humilhação impostos ao Alferes, não se vislumbram, nos autos da devassa ou em seus interrogatórios, indícios de que tenha delatado os demais envolvidos na conspiração.


Depreende-se, ao compulsarmos os aludidos autos, a fidelidade às suas ideias e convicções. Ele não se acovardou, em momento algum. Declarou, isto sim, devotado amor à Pátria e confiança no seu progresso e desenvolvimento. Configura-se um farol para a nossa juventude, neste momento de Brasileia desvairada.




A BANDEIRA DO ESTADO DE MINAS GERAIS



Ao compulsarmos o movimento da Inconfidência Mineira, na sua essência, podem-se atestar detalhes interessantes, que muito influenciam os dias atuais. Do cotidiano das alterosas consta uma herança para a contemporaneidade, que é a “Bandeira de Minas”.


Consta do processo que apurou as nuances do movimento, e que apontou responsabilidades, conhecido na história como “devassa”, que os inconfidentes se reuniram na casa do Ten Cel Francisco Paula Freire, na chácara do Sapo, em Vila Rica, com cunho de sublevação. Foi ele o primeiro brasileiro a comandar a Cavalaria Regular Paga das Minas Gerais, atual PMMG. Atualmente, o cargo que foi ocupado pelo Ten Cel Paula Freire é o de Comandante-Geral da Polícia Militar de Minas Gerais.


Esta reunião, a última para acertar os detalhes do levante, ocorreu, segundo alguns historiadores, em 26 de dezembro de 1788; para outros, nos primeiros meses do ano de 1789. Contou com a presença de grande número de conjurados, quando surgiu então a ideia de confeccionar uma bandeira para a nação que se idealizava.


Alvarenga Peixoto propôs que fosse um índio desatando as correntes que simbolizavam os grilhões portugueses. Já Tiradentes sugeriu que fossem três triângulos representando a Santíssima Trindade.


Diante das ideias em comento, ficou decidido, por maioria absoluta, que seria um triângulo apenas, com a frase do poeta romano Virgílio: “Libertas quae será tamem” ou, Liberdade ainda que tardia, conforme proposto pelo inconfidente Alvarenga Peixoto.


Com a não eclosão do movimento, nada foi levado a efeito. Contudo, com o advento da república, em 1889, seus descendentes consanguíneos e filosóficos os homenagearam, adotando o símbolo do estado conforme eles sonharam, na forma em que hoje o conhecemos.


Porém, o detalhe que ficou em voga é a cor do triângulo, que permaneceu verde, até o ano de 1963, quando, finalmente, por meio da promulgação da Lei 2793, mudou para a cor vermelha.


A lei que autorizou a mudança da cor da bandeira das Minas Gerais iniciou a sua tramitação no governo do Coronel Médico da Polícia Militar, Juscelino Kubistschek, que veio a ser, mais tarde, Presidente da República.


No mundo setecentista (o século da luzes), a cor vermelha representava a República; a cor azul, a Monarquia Parlamentarista. Dos inconfidentes, da cor vermelha destacou-se Tiradentes e, da cor azul, José Bonifácio, um dos doze estudantes de Coimbra que trabalhavam em prol da revolução. Anos mais tarde, José Bonifacio se desentendeu com o Imperador D. Pedro I, na Assembleia Constituinte de 1823, acerca da forma e do sistema de governo que iriam ser adotados.


A cor azul era de orientação Inglesa, uma Monarquia Parlamentarista. E a cor vermelha, de orientação Francesa, representava a República, calcada nos ideais liberais iluministas.


De todo este relato, denota-se a participação dos integrantes da Polícia Militar de Minas Gerais, que estiveram sempre envolvidos nos movimentos que embalaram os ideais de sociedade, neste solo fértil de ideais e transformações que sempre estiveram em ebulição nas alterosas.


Como se pode notar, na casa do Ten Cel Paula Freire, primeiro Comandante Geral brasileiro da nossa Corporação, é que se realizou a ultima reunião dos inconfidentes, antes da delação. A ideia dos triângulos foi do alferes Tiradentes e, durante a vigência do governo do Estado de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, de 1951 a 1955, é que se propôs, de maneira oficial, na Assembleia Legislativa, a mudança da cor do nosso estandarte.






Isto posto, constata-se, mais uma vez, que a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais esteve, está e sempre estará presente em todos os acontecimentos que envolverem os interesses da sociedade. Não é por acaso que a bandeira do nosso estado retrata toda a nossa vocação e lealdade para com o povo dessas Minas Gerais.




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FLÁVIO AUGUSTO, CEL PM VETERANO
Professor de História da PMMG, da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Acadêmico Titular
da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais/Cadeira n. 19 Tenente Escritor Jésu Carmelita de Miranda.  Acadêmico Emérito da Academia Brasileira Medalhística Militar/Cadeira n.06 Alferes Tiradentes. Acadêmico do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil/Cadeira n.81 Tenente Henrique Duque Estrada de Macedo Soares.

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