02 dezembro, 2020

MINAS 300 ANOS - POLÍCIA MILITAR PATRIMÔNIO DO POVO DAS ALTEROSAS

 Flávio Augusto, Cel PM QOR1

História da PMMG se confunde com a história de Minas Gerais e vice-versa”.


Corria o ano de 1695 quando o português Antônio Rodrigues descobriu ouro nas aluviões dos cursos d’agua, por entre as montanhas mineiras. A riqueza, além de atrair a ganância e a cobiça de milhares de pessoas, deu início a um período de evolução econômico-social em nossas terras interioranas, que ficou conhecido como “Ciclo do Ouro”. As picadas e estradas abertas foram interligando povoações, que com o interessante afluxo de aventureiros e escravos, cresciam e tornavam-se vilas. Desse rápido povoamento eclodiram muitas desordens e confusões, que colocavam em cheque o escoamento de nossas riquezas rumo a corte portuguesa.


A riqueza e o isolamento da região, cercada por densas matas, altas montanhas e caudalosos rios, serviu também para criar uma identidade própria no povo que ali habitava que, em face de tantas riquezas dali retiradas, logo começou a conspirar por mais liberdade. Para melhor conjecturar o momento narrado, nada melhor que os escritos do Conde de Assumar, Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, então Governador da Capitânia de São Paulo e das Minas de Ouro, no início do século XVIII sobre a terra das alterosas e o jeito do seu povo:

(...) “a terra parece que evapora tumultos; água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdade os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião. ”

 Em 1720, como consequência da revolta de Felipe dos Santos, Minas Gerais foi separada da capitania de São Paulo, passando assim a ser uma capitânia e a ter um governo próprio na cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto. Com medo de novas revoltas e na tentativa de conter as desordens, atender os interesses da metrópole, o rei de Portugal mandou para a capitania duas companhias de dragões, retiradas das tropas que cuidavam da escolta e da segurança da família real, sendo que em 1729 chegou uma terceira companhia. Essas tropas logo se desarticularam, corrompidas que foram pela distância, pela falta de disciplina, pela nova cultura e pela riqueza mineral que brotavam do solo.


Para atender as necessidades de segurança, no dia 9 de junho de 1775 o então governador da Capitania das Minas, Dom Antônio de Noronha, criou o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, com a tropa composta por alguns remanescentes das Companhias de Dragões e com homens recrutados no meio de autóctones, cujo custeio correria por conta dos cofres públicos. Dessa tropa paga, originou-se, a atual Polícia Militar de Minas Gerais.

Embora com estrutura castrense, essas tropas tinham atividades específicas de polícia, enquanto tratavam de manter a ordem pública na agitada capitania. Nesse mister destacou-se como “Comandante dos Sertões” o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais tarde imortalizado como “Tiradentes”, o único dos líderes da Inconfidência Mineira que foi julgado, condenado e morto por seus sonhos de liberdade. O terceiro comandante dessa força pública foi um brasileiro, o Tenente-Coronel Francisco Paula Freire de Andrada, o primeiro nascido no Brasil a comandar a organização que se transformou e hoje é a PMMG, que também foi preso degredado para Pedra do Engojé em Angola no continente Africano, por sua participação na Inconfidência Mineira.


Com a vinda da família real para o Brasil em 1808, uma companhia do Regimento Regular foi retirada para formar o Regimento Imperial hoje Batalhão de Guarda Presidencial, sediado em Brasília/DF. Ainda no século XIX, a passagem mais robusta da nossa instituição foi na guerra do Paraguai, quando o 17º Voluntários da Pátria, esteve atuando na heroica Retirada de Laguna, ajudando também em outras operações a vencer o conflito reconhecido na história como o maior da América do Sul. 


Com a Proclamação da República, houve o pacto federativo, marcando o século XX por uma beligerância das forças militares estaduais, sendo na prática um Exército Estadual. Para treinar a tropa adestrando-a para a nova realidade de emprego, foi contratado o Cap. Robert Drexler, do Exército Suíço, em 1912, permanecendo nessa atividade até em 1927 ou 1930 para alguns pesquisadores. Suíço, como era chamado, tornou-se responsável pelo Ensino Profissional na corporação, tendo realizado vários feitos entre os quais encontramos indícios até os dias atuais. Dentre eles cito o porte do policial militar, espírito de corpo no seio da tropa, mudança do uniforme, criação da NPC (Normas de Prêmio e Castigos) atual ERF (Extrato de Registro Funcional), escola regimental para alfabetizar os militares, obtenção de três campos de instrução em Belo Horizonte, no Prado Mineiro (hoje Academia de Polícia Militar), um na Fazenda da Gameleira (5º BPM) e outro no Alto Cruzeiro atual bairro da Mangabeira, onde anos mais tarde, se instalou um bairro nobre de BH e onde se localiza também a residência oficial do Governo de Minas Gerais.


Sempre preocupado com a instrução da tropa, introduziu o treinamento continuo, quando cada batalhão enviava uma Cia para a Capital com o objetivo de ser instruída no período de um ano. Hoje podemos afirmar que é o modelo do CTP de maneira inovada e adaptada a atual realidade. O resultado do trabalho do Suíço, pode ser notado na participação da PM na revolução de 1930 e 1932, quando a tropa mineira mostrou nos campos de batalha toda a sua eficiência e eficácia, ganhando o respeito e a admiração de todo o Brasil por causa do seu desempenho.


Com o término da 2º Guerra Mundial, impulsionou mudanças em todo o mundo e no Brasil não foi diferente. Getúlio Vargas foi deposto e um ano depois, em 1946 foi promulgada a nova Constituição do Brasil. Vieram mudanças significativas, pois as forças militares dos estados, passaram a ser denominadas “Policia Militar” consideradas a partir de então, constitucionalmente como reserva do Exército. Passaram também a ter a responsabilidade de exercer três atividades básicas de policiamento militar que seriam: o preventivo, repressivo e o de trânsito. Com isto, a mentalidade policial começou a florescer com muita força entre os integrantes da PM, embora no interior do estado, desde a época de Tiradentes a atividade de policiamento já se executasse, inclusive as atividades de polícia judiciária junto a sociedade até o início dos anos de 1980.

Na cidade de Belo Horizonte, capital do estado, a realidade era diferente, havia dois batalhões (1ºBPM e 5ºBPM) que muito embora exercessem atividades de policiamento em estabelecimento prisional, guarda do Palácio da Liberdade e Mangabeiras, além das Secretarias do Estado, não executavam o policiamento ostensivo nos logradouros. Eram tropas aquarteladas, militarizadas que passavam a maior parte do tempo realizando treinamentos para guerra. Com a nova constituição, em 1955, se criou uma companhia de policiamento ostensivo, iniciando assim atividades propriamente policiais. A companhia foi criada pelo Cel. Antônio Norberto, Capitão naquela época, o policiamento era executado por duplas de policiais, denominadas “Castor e Pólux”, que popularmente ficaram conhecidas como duplas “Cosme e Damião”. Este modelo de policiamento foi um sucesso indo ao encontro dos anseios da sociedade. No ano seguinte, 1956, todo o 5º BPM, passou a realizar nos principais logradouros de Belo Horizonte, o policiamento ostensivo a pé com as duplas de Policiais Militares.


Os anos de 1960 foram de grande efervescência política no Brasil e no mundo, quando jovens inspirados na doutrina marxista, pregavam e tentaram realizar uma revolução socialista, inspirados nos intelectuais e na revolução cubana, a qual diziam ter sido bem-sucedida. Sob o comando do Coronel José Geraldo de Oliveira e do Governador Magalhães Pinto, a PM de Minas teve destacado papel no movimento que ficou conhecido como Revolução de 64, que tinha como objetivo impedir o estabelecimento de uma ditadura de caráter socialista no País. Esse movimento logo tomaria novos rumos e, a PMMG vista com certa desconfiança pelo Governo Central, apoiou o Vice-Presidente do Marechal Artur da Costa e Silva, Doutor Pedro Aleixo para assumir a vaga de presidente, deixada pela morte do primeiro. Isso não aconteceu e o Brasil viveu alguns anos de um Governo de Exceção, capitaneado por militares das forças armadas. O Presidente Tancredo Neves, nome imprescindível para a redemocratização do País, quando Governador de Minas Gerais, nos anos de 1980, ao se referir à Polícia Militar Mineira, chamava-a carinhosamente de “Força Pública”.


Em 1967, em decorrência do Decreto – Lei n. 317/67, e depois o Decreto-Lei n. 667, editado pelo governo militar, mudanças importantes voltaram a ocorrer em nossa Força Pública, redefinindo os rumos para o seu atual papel e estrutura, na manutenção da ordem pública. O primeiro decreto criou a Inspetoria Geral das Polícias Militares, órgão subordinado ao Estado-Maior do Exército. Foram disciplinadas questões como: efetivo, instrução, tipos de equipamentos, viaturas e modalidades de emprego, etc. Para a exclusividade no policiamento ostensivo, em 1969 foi editado o Decreto-Lei nº 1072, o qual reconheceu apenas uma polícia fardada no Brasil, as Policias Militares de cada estado federativo. Hoje, com a missão constitucional de realizar o policiamento ostensivo fardado, voltado para a prevenção e preservação da ordem pública, as Policias Militares subordinam-se aos respectivos governadores dos estados e são consideradas forças auxiliares, reservas do Exército Brasileiro.


Na atualidade, sem se descurar de seus deveres de Força Pública, nossa Corporação restabeleceu com a sociedade civil laços muito fortes através de sua dedicação em proteger e socorrer às comunidades, na busca incessante pela paz social, materializados através de ações de polícia comunitária. Em todos os municípios do Estado de Minas Gerais, há um o braço estatal representado pela Polícia Militar.


Em toda a sua história, a corporação das alterosas teve nos seus quadros personalidades ilustres da história do nosso Brasil. Tiradentes, Tenente-Coronel Paula Freire que participaram da Inconfidência Mineira. Um ilustre brasileiro, que honrou as fileiras dessa força como oficial médico, na revolução de 1932, o então Capitão Médico Juscelino Kubitschek de Oliveira, serviu no hospital de campanha, instalado na cidade de Passa Quatro. Anos mais tarde, no dia 21 de abril de 1960, ostentando o posto de Coronel, o então Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira inaugurava Brasília, a nova capital Federal do nosso País. Outro brasileiro ilustre, que integrou as fileiras da PMMG foi o Capitão Médico João Guimarães Rosa, escritor que mais tarde se tornou diplomata. Designado para cidade de Hamburgo na Alemanha, durante a 2º Guerra Mundial, de maneira discreta ajudou muitos judeus, que eram perseguidos pelos nazistas.


Quando relembro das histórias dos nossos antepassados, suas dificuldades e seus feitos, encontro a origem do nosso amor por nossas comunidades, por nosso Estado e pelo Brasil. Sinto também que a comunidade deposita em nós, integrantes da Força Pública, parte importante de seus anseios e esperanças naconstrução de uma sociedade justa e perfeita, buscando sempre o melhor para todos.


Nestas poucas linhas, imbuído dos ideais dos Inconfidentes, dedico minhas lembranças de maneira humilde e sincera, aos companheiros de todos os tempos, que dedicaram e dedicam suas vidas na defesa da sociedade.

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1 - Professor de História da PMMG e Direito Processual Penal Militar da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais.

Acadêmico-Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa. Patrono: Jésus Carmelita de Miranda - Cadeira: 19.

Acadêmico Emérito da Academia Brasileira Medalhística Militar. Patrono: Joaquim José da Silva Xavier – Cadeira 06.

     

Referências:

COTTA, Francis Albert. Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. 1. Ed. Belo Horizonte, MG: Crisálida, 2006. 165p.

_________________ . Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. 2. Ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014. 268p.

_________________. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida, 2012. 391p.

MARCO FILHO, Luiz De. História Militar da PMMG. 7ª ed. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa e Pós-Graduação – PMMG, 2005.151p.

MAGALHÃES, Euro. A Polícia do Ano 2000: Uma Visão Gerencial. Revista o Alferes, Belo Horizonte, 12, pag. 27 a 34, jan/fev/mar. 1987.

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