Flávio Augusto, Cel PM QOR
“História
da PMMG se confunde com a história de Minas Gerais e vice-versa”.
Corria o
ano de 1695 quando o português Antônio Rodrigues descobriu ouro nas
aluviões dos cursos d’agua, por entre as montanhas mineiras. A
riqueza, além de atrair a ganância e a cobiça de milhares de
pessoas, deu início a um período de evolução econômico-social em
nossas terras interioranas, que ficou conhecido como “Ciclo do
Ouro”. As picadas e estradas abertas foram interligando povoações,
que com o interessante afluxo de aventureiros e escravos, cresciam e
tornavam-se vilas. Desse rápido povoamento eclodiram muitas
desordens e confusões, que colocavam em cheque o escoamento de
nossas riquezas rumo a corte portuguesa.
A riqueza
e o isolamento da região, cercada por densas matas, altas montanhas
e caudalosos rios, serviu também para criar uma identidade própria
no povo que ali habitava que, em face de tantas riquezas dali
retiradas, logo começou a conspirar por mais liberdade. Para melhor
conjecturar o momento narrado, nada melhor que os escritos do Conde
de Assumar, Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, então
Governador da Capitânia de São Paulo e das Minas de Ouro, no início
do século XVIII sobre a terra das alterosas e o jeito do seu povo:
(...)
“a terra parece que evapora tumultos; água exala motins; o ouro
toca desaforos; destilam liberdade os ares; vomitam insolências as
nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço
da rebelião. ”

Em 1720,
como consequência da revolta de Felipe dos Santos, Minas Gerais foi
separada da capitania de São Paulo, passando assim a ser uma
capitânia e a ter um governo próprio na cidade de Vila Rica, hoje
Ouro Preto. Com medo de novas revoltas e na tentativa de conter as
desordens, atender os interesses da metrópole, o rei de Portugal
mandou para a capitania duas companhias de dragões, retiradas das
tropas que cuidavam da escolta e da segurança da família real,
sendo que em 1729 chegou uma terceira companhia. Essas tropas logo se
desarticularam, corrompidas que foram pela distância, pela falta de
disciplina, pela nova cultura e pela riqueza mineral que brotavam do
solo.
Para
atender as necessidades de segurança, no dia 9 de junho de 1775 o
então governador da Capitania das Minas, Dom Antônio de Noronha,
criou o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, com a tropa composta
por alguns remanescentes das Companhias de Dragões e com homens
recrutados no meio de autóctones, cujo custeio correria por conta
dos cofres públicos. Dessa tropa paga, originou-se, a atual Polícia
Militar de Minas Gerais.
Embora com
estrutura castrense, essas tropas tinham atividades específicas de
polícia, enquanto tratavam de manter a ordem pública na agitada
capitania. Nesse mister destacou-se como “Comandante dos Sertões”
o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais tarde imortalizado como
“Tiradentes”, o único dos líderes da Inconfidência Mineira que
foi julgado, condenado e morto por seus sonhos de liberdade. O
terceiro comandante dessa força pública foi um brasileiro, o
Tenente-Coronel Francisco Paula Freire de Andrada, o primeiro nascido
no Brasil a comandar a organização que se transformou e hoje é a
PMMG, que também foi preso degredado para Pedra do Engojé em Angola
no continente Africano, por sua participação na Inconfidência
Mineira.
Com a
vinda da família real para o Brasil em 1808, uma companhia do
Regimento Regular foi retirada para formar o Regimento Imperial hoje
Batalhão de Guarda Presidencial, sediado em Brasília/DF. Ainda no
século XIX, a passagem mais robusta da nossa instituição foi na
guerra do Paraguai, quando o 17º Voluntários da Pátria, esteve
atuando na heroica Retirada de Laguna, ajudando também em outras
operações a vencer o conflito reconhecido na história como o maior
da América do Sul.
Com a
Proclamação da República, houve o pacto federativo, marcando o
século XX por uma beligerância das forças militares estaduais,
sendo na prática um Exército Estadual. Para treinar a tropa
adestrando-a para a nova realidade de emprego, foi contratado o Cap.
Robert Drexler, do Exército Suíço, em 1912, permanecendo nessa
atividade até em 1927 ou 1930 para alguns pesquisadores. Suíço,
como era chamado, tornou-se responsável pelo Ensino Profissional na
corporação, tendo realizado vários feitos entre os quais
encontramos indícios até os dias atuais. Dentre eles cito o porte
do policial militar, espírito de corpo no seio da tropa, mudança do
uniforme, criação da NPC (Normas de Prêmio e Castigos) atual ERF
(Extrato de Registro Funcional), escola regimental para alfabetizar
os militares, obtenção de três campos de instrução em Belo
Horizonte, no Prado Mineiro (hoje Academia de Polícia Militar), um
na Fazenda da Gameleira (5º BPM) e outro no Alto Cruzeiro atual
bairro da Mangabeira, onde anos mais tarde, se instalou um bairro
nobre de BH e onde se localiza também a residência oficial do
Governo de Minas Gerais.
Sempre
preocupado com a instrução da tropa, introduziu o treinamento
continuo, quando cada batalhão enviava uma Cia para a Capital com o
objetivo de ser instruída no período de um ano. Hoje podemos
afirmar que é o modelo do CTP de maneira inovada e adaptada a atual
realidade. O resultado do trabalho do Suíço, pode ser notado na
participação da PM na revolução de 1930 e 1932, quando a tropa
mineira mostrou nos campos de batalha toda a sua eficiência e
eficácia, ganhando o respeito e a admiração de todo o Brasil por
causa do seu desempenho.
Com o
término da 2º Guerra Mundial, impulsionou mudanças em todo o mundo
e no Brasil não foi diferente. Getúlio Vargas foi deposto e um ano
depois, em 1946 foi promulgada a nova Constituição do Brasil.
Vieram mudanças significativas, pois as forças militares dos
estados, passaram a ser denominadas “Policia Militar”
consideradas a partir de então, constitucionalmente como reserva do
Exército. Passaram também a ter a responsabilidade de exercer três
atividades básicas de policiamento militar que seriam: o preventivo,
repressivo e o de trânsito. Com isto, a mentalidade policial começou
a florescer com muita força entre os integrantes da PM, embora no
interior do estado, desde a época de Tiradentes a atividade de
policiamento já se executasse, inclusive as atividades de polícia
judiciária junto a sociedade até o início dos anos de 1980.

Na cidade
de Belo Horizonte, capital do estado, a realidade era diferente,
havia dois batalhões (1ºBPM e 5ºBPM) que muito embora exercessem
atividades de policiamento em estabelecimento prisional, guarda do
Palácio da Liberdade e Mangabeiras, além das Secretarias do Estado,
não executavam o policiamento ostensivo nos logradouros. Eram tropas
aquarteladas, militarizadas que passavam a maior parte do tempo
realizando treinamentos para guerra. Com a nova constituição, em
1955, se criou uma companhia de policiamento ostensivo, iniciando
assim atividades propriamente policiais. A companhia foi criada pelo
Cel. Antônio Norberto, Capitão naquela época, o policiamento era
executado por duplas de policiais, denominadas “Castor e Pólux”,
que popularmente ficaram conhecidas como duplas “Cosme e Damião”.
Este modelo de policiamento foi um sucesso indo ao encontro dos
anseios da sociedade. No ano seguinte, 1956, todo o 5º BPM, passou a
realizar nos principais logradouros de Belo Horizonte, o policiamento
ostensivo a pé com as duplas de Policiais Militares.
Os anos de
1960 foram de grande efervescência política no Brasil e no mundo,
quando jovens inspirados na doutrina marxista, pregavam e tentaram
realizar uma revolução socialista, inspirados nos intelectuais e na
revolução cubana, a qual diziam ter sido bem-sucedida. Sob o
comando do Coronel José Geraldo de Oliveira e do Governador
Magalhães Pinto, a PM de Minas teve destacado papel no movimento que
ficou conhecido como Revolução de 64, que tinha como objetivo
impedir o estabelecimento de uma ditadura de caráter socialista no
País. Esse movimento logo tomaria novos rumos e, a PMMG vista com
certa desconfiança pelo Governo Central, apoiou o Vice-Presidente do
Marechal Artur da Costa e Silva, Doutor Pedro Aleixo para assumir a
vaga de presidente, deixada pela morte do primeiro. Isso não
aconteceu e o Brasil viveu alguns anos de um Governo de Exceção,
capitaneado por militares das forças armadas. O Presidente Tancredo
Neves, nome imprescindível para a redemocratização do País,
quando Governador de Minas Gerais, nos anos de 1980, ao se referir à
Polícia Militar Mineira, chamava-a carinhosamente de “Força
Pública”.
Em 1967,
em decorrência do Decreto – Lei n. 317/67, e depois o Decreto-Lei
n. 667, editado pelo governo militar, mudanças importantes voltaram
a ocorrer em nossa Força Pública, redefinindo os rumos para o seu
atual papel e estrutura, na manutenção da ordem pública. O
primeiro decreto criou a Inspetoria Geral das Polícias Militares,
órgão subordinado ao Estado-Maior do Exército. Foram disciplinadas
questões como: efetivo, instrução, tipos de equipamentos, viaturas
e modalidades de emprego, etc. Para a exclusividade no policiamento
ostensivo, em 1969 foi editado o Decreto-Lei nº 1072, o qual
reconheceu apenas uma polícia fardada no Brasil, as Policias
Militares de cada estado federativo. Hoje, com a missão
constitucional de realizar o policiamento ostensivo fardado, voltado
para a prevenção e preservação da ordem pública, as Policias
Militares subordinam-se aos respectivos governadores dos estados e
são consideradas forças auxiliares, reservas do Exército
Brasileiro.
Na
atualidade, sem se descurar de seus deveres de Força Pública, nossa
Corporação restabeleceu com a sociedade civil laços muito fortes
através de sua dedicação em proteger e socorrer às comunidades,
na busca incessante pela paz social, materializados através de ações
de polícia comunitária. Em todos os municípios do Estado de Minas
Gerais, há um o braço estatal representado pela Polícia Militar.
Em toda a
sua história, a corporação das alterosas teve nos seus quadros
personalidades ilustres da história do nosso Brasil. Tiradentes,
Tenente-Coronel Paula Freire que participaram da Inconfidência
Mineira. Um ilustre brasileiro, que honrou as fileiras dessa força
como oficial médico, na revolução de 1932, o então Capitão
Médico Juscelino Kubitschek de Oliveira, serviu no hospital de
campanha, instalado na cidade de Passa Quatro. Anos mais tarde, no
dia 21 de abril de 1960, ostentando o posto de Coronel, o então
Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira inaugurava
Brasília, a nova capital Federal do nosso País. Outro brasileiro
ilustre, que integrou as fileiras da PMMG foi o Capitão Médico João
Guimarães Rosa, escritor que mais tarde se tornou diplomata.
Designado para cidade de Hamburgo na Alemanha, durante a 2º Guerra
Mundial, de maneira discreta ajudou muitos judeus, que eram
perseguidos pelos nazistas.

Quando
relembro das histórias dos nossos antepassados, suas dificuldades e
seus feitos, encontro a origem do nosso amor por nossas comunidades,
por nosso Estado e pelo Brasil. Sinto também que a comunidade
deposita em nós, integrantes da Força Pública, parte importante de
seus anseios e esperanças naconstrução de uma sociedade justa e
perfeita, buscando sempre o melhor para todos.
Nestas
poucas linhas, imbuído dos ideais dos Inconfidentes, dedico minhas
lembranças de maneira humilde e sincera, aos companheiros de todos
os tempos, que dedicaram e dedicam suas vidas na defesa da sociedade.
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- Professor de História da PMMG e Direito Processual Penal Militar da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais.
Acadêmico-Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa. Patrono: Jésus Carmelita de Miranda - Cadeira: 19.
Acadêmico Emérito da Academia Brasileira Medalhística Militar. Patrono: Joaquim José da Silva Xavier – Cadeira 06.
Referências:
COTTA, Francis Albert. Breve História da
Polícia Militar de Minas Gerais. 1. Ed. Belo Horizonte, MG:
Crisálida, 2006. 165p.
_________________ . Breve História da Polícia
Militar de Minas Gerais. 2. Ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço,
2014. 268p.
_________________.
Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida,
2012. 391p.
MARCO FILHO, Luiz De. História Militar da
PMMG. 7ª ed. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa e Pós-Graduação –
PMMG, 2005.151p.
MAGALHÃES, Euro. A Polícia do Ano 2000: Uma
Visão Gerencial. Revista o Alferes, Belo Horizonte, 12, pag. 27 a
34, jan/fev/mar. 1987.